Esta tradicional arte de pesca dá uma animação muito especial às praias onde é praticada na região de Aveiro: Areão, Torreira e Vagueira
A Região de Aveiro é reconhecida pela tradição da Arte Xávega, uma prática determinante para a afirmação e valorização do património identitário da Região de Aveiro. Uma herança deixada pelos antepassados da região à comunidade piscatória, gentes da terra, que tem contribuído para que esta arte não se extinga e que continue a fazer parte do património vivo da Região de Aveiro.
o que é a arte xávega?
De meio de subsistência a tradição
A origem da Arte Xávega, na região lagunar de Aveiro, remonta para meados do século XVIII quando da criação, em 1751, da primeira companha de pesca.
A Arte Xávega, do árabe xábaka, é um tipo de pesca tradicional artesanal de arrasto que consiste no lançamento de uma rede ao mar a partir de um barco, deixando em terra a ponta da corda, o “reçoeiro”. Após a largada da rede, o barco regressa à praia trazendo a outra ponta de corda, denominada por “mão-de-barca” e inicia-se o processo de alagem em simultâneo de ambas as cordas, puxando para a praia a rede cuja boca do saco se mantém aberta através da utilização de bóias. A xávega termina com a chegada, à praia, e abertura do saco que contém o peixo.
A Arte Xávega é definida pelas artes que a caracterizam – redes e barcos – e não pelo método de tração utilizado no processo de alagem. A alagem, que no início era realizada de forma manual, com pescadores a puxar, tendo passando posteriormente para o auxílio de tração animal, com várias juntas de bois, é praticada atualmente com recurso a tratores.
Um dia de pesca é formado por um número variável de lanços (idas ao mar) que podem ser vários ou apenas um e são condicionados por várias variáveis: desde o estado do mar, à capacidade de trabalho da companha, à quantidade e qualidade dodo peixe e à procura e venda do próprio peixe.
Rituais e costumes
Uma arte passada de geração em geração
Ao longo das praias do Areão, Vagueira e Torreira, nos concelhos de Vagos e Murtosa, os pescadores desta arte continuam a manter viva esta tradição tão antiga e característica da região de Aveiro, defrontando a rebentação das ondas em barcos, construídos em madeira, tornando-se num atrativo turístico para a região.
A Arte-Xávega é exercida por grupos de pescadores designados Companhas (grupos de pescadores afetos a uma embarcação) e a Companha é divida em dois grupos: os “homens do mar” e os “homens de terra”. Atualmente, na Região de Aveiro, existem 4 Companhas a trabalhar na arte – duas no concelho da Murtosa e duas no concelho de Vagos.
A Arte Xávega é uma atividade sazonal que é praticada sobretudo entre os meses de março a outubro, altura em que as condições do mar estão mais favoráveis. Nos restantes meses, os homens dedicam-se à preparação das redes e das embarcações enquanto trabalham noutras atividades secundárias (como por exemplo a agricultura ou construção civil). O processo de saber-fazer (redes, tratamento e manutenção) foi transmitido de pais para filhos e de antigos redeiros existentes na região que passaram o seu conhecimento e sua experiência.
Curiosidades sobre a Arte Xávega
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As companhas
Por ser uma tarefa bastante complexa não são muitos os profissionais detentores deste saber-fazer. Atualmente na Murtosa podemos encontrar Marco Silva da Companha Maria de Fátima, e Bruno Murta da Companha Olá S. Paio.
Em Vagos trabalham João Esteves da Companha Valdemar, Carlos Alberto Silva e João Carlos Silva (pai e filho) da Companha João da Murtosa.
Em Albergaria-a-Velha, Almerinda Marques é especialista na construção das redes.
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Os barcos
As embarcações da Arte Xávega, designadas por barco do mar, possuem uma forma de fundo chato e arqueado em formato de meia-lua com uma proa muito levantada para atravessar facilmente faixa de rebentação. Hoje, ainda é possível encontrar alguns Mestres da Construção Naval no ativo. Em Estarreja temos os mestres Felisberto Amador, António Esteves e Arménio Almeida, e na Murtosa podemos encontrar os mestres Marco Silva e José Rito.
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As redes
As redes que são usadas na Arte Xávega são compostas por duas mangas e um saco. Têm 50 m de comprimento máximo do saco, 380 m de comprimento das asas e 3000 m de comprimento dos cabos de alagem. Atualmente, as redes utilizadas na atividade são muito semelhantes às redes usadas no passado, diferindo apenas as suas dimensões e os materiais uma vez que o linho foi substituído pelos nylons, os polipropilenos e os polietilenos.
As companhas e os seus arrais
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João Esteves e Francisco Esteves
Companha Valdemar
Praia do Areão, Vagos, Aveiro
João Esteves iniciou-se na Arte Xávega por tradição familiar. Dedicou-se durante alguns anos à pesca do bacalhau e foi em 1985 que decidiu criar a sua Companha que mantém atualmente em parceria com os seus 4 filhos. O seu filho Francisco Esteves começou a ajudar o seu pai ainda em criança e atualmente é quem gere a companha.
A Companha Valdemar pratica a Arte Xávega na Praia do Areão, em Vagos, de março a setembro. A paixão que move este pai e filhos é a prova de que esta prática secular vai resistindo graças ao entusiasmo inabalável destes homens pela Arte, que continuam a lançar ao mar as suas artes.
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João Carlos Silva e Carlos Alberto Silva
Companha do João da Murtosa
Praia da Vagueira, Vagos, Aveiro
A Companha João da Murtosa foi criada na década de 50 por João Carlos Silva. Moliceiro de profissão nos tempos em que a Ria era a principal fonte de rendimento das famílias da Região de Aveiro mandou mais tarde construir o seu primeiro barco de Arte Xávega e dedicou-se à arte desde então. Atualmente trabalha com o seu filho, Carlos Alberto Silva que partilha a mesma paixão e entusiasmo pela Arte Xávega.
A Companha João da Murtosa pratica a Arte Xávega na praia da Vagueira em Vagos, entre os meses de junho a setembro normalmente com um lanço por dia. Entre os meses de outubro a março a companha dedica-se à própria manutenção e tratamento das redes, um saber-fazer que lhes foi transmitido por um antigo amigo da região de Aveiro.
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Marco Silva
Companha Maria de Fátima
Praia da Torreira, Murtosa, Aveiro
Apesar de ter estado emigrado durante 10 anos, Marco Silva esteve sempre ligado ao mar e à Ria enquanto pescador. Em 2004, 2 anos depois de regressar do Luxemburgo, adquiriu um barco e formou a Companha Maria de Fátima e foi aí que se dedicou à Arte Xávega. Marco Silva concilia a Arte Xávega com a Carpintaria Naval dos Barcos Moliceiros, das Xávegas, das Bateiras, entre outras embarcações. É atualmente o profissional mais jovem no ativo na construção naval da Região de Aveiro.
Na Companha Maria de Fátima, que pratica a arte xávega na Praia da Torreira (Murtosa), trabalham atualmente 22 pessoas. Esta companha pratica a Arte Xávega entre os meses de abril a outubro com cerca de 4 lanços por dia. Todas a redes que utiliza na atividade são feitas pelo próprio Marco que procura preservar os saberes e as tradições tão identitárias da região.
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José Murta e Bruno Murta
Companha Olá Sampaio
Praia da Torreira, Murtosa, Aveiro
A Companha Olá Sampaio foi fundada 1985 pelo Sr. José Murta, pai de Bruno e José Murta que atualmente gerem a Companha.
Bruno Murta nasceu em 1979 e José Murta em 1985. A paixão pela Arte Xávega acompanha-os desde terna idade, quando começaram a trabalhar na atividade com o seu pai. Desde então têm conciliado a arte xávega com outros ofícios, sendo também formadores profissionais de pesca artesanal.
Praticam a Arte Xávega na Praia da Torreira, Murtosa, entre os meses de março a setembro, o resto dos meses dedicam-se à manutenção e arranjos da xávega e à pesca na Ria.